09/08/10

Um Sentimento Sem Nome.

Era uma vez...


...um sentimento negativo que adorava corroer o coração e a mente de cada pessoa. Bom, a hora dele atacar a nossa personagem principal, tinha chegado. Ele esperou que estivesse tudo calmo, sereno e na paz. Os guardas do portão estavam a festejar. Bebiam vinho de coco, comiam caroços de pêssegos e pão de milho. O povo já se tinha resguardado nas suas casas e o rei dormia. Era noite serrada e, por mero acaso, havia um nevoeiro leve. Era simples, esguio e fino. O sentimento, sem nome por agora, esperou mais um pouco. Esperou que os guardas digerissem os cento e trinta e nove jarros do famoso vinho e, após o álcool começar a fazer efeito, ele atacou. Correu em direcção aos guardas que estavam no primeiro portão e, com um golpe seco e lento, matou os três que lá estavam. Atingiu, muito certeiramente o coração deles. Roubou-lhes o porta-chaves com a forma de uma artéria, abriu a porta que estivera guardada pelos guardas e seguiu caminho. Chegando ao segundo portão, encontrou dez guardas. Três deles dormiam profundamente, dois riam e os outros cinco estavam sentados a comer o resto do pão. Agarrando-se às sombras, atirou pequenas manchas peganhentas de dor. Atingiu a cabeça dos que dormiam, e eles assim continuaram. A dormir e a sonhar os seus últimos sonhos. Os que riam foram engasgados por ódio. E os que comiam, envenenados por loucura foram. Ele nem teve que sair das sombras para conseguir limpar o sebo àqueles que se intitulavam guardas. Feliz da vida, ainda parou para roubar dois pedaços de pão e, claro, a chave. Estas tinham a forma de uma esfera com um buraco. Vamos lá, pensou ele. Abriu este portão, maior que o primeiro, e deparou-se com um caminho enorme, sinuoso e mortífero. Era um caminho feito num desfiladeiro com quilómetros de altura, construído com formas de S e, em cada curva encontrava-se um acampamento com guardas. Ora, duas, quatro, seis, oito, dez e doze. Doze curvas, doze acampamentos. O sentimento, ainda sem nome, sentou-se. Olhou para o caminho que tinha a percorrer, o último caminho antes do ataque final. Pensou na melhor estratégia para conseguir tirar todas aquelas pequenas pedrinhas do seu caminho, sem chamar a atenção do último acampamento. Se isso acontecesse, o alarme ia ser activado e ele não tinha outra hipótese senão a de utilizar o ultimate ataque fora da hora. Enquanto projectava a melhor maneira de cumprir o seu objectivo, olhou o céu e sorriu. O nevoeiro estava agora mais baixo. Mais denso, mais molhado, mais ameaçador. Ele estava disposto a ajudar o sentimento, ele queria matar. Agora, tudo estava pronto. A batalha final, estava prestes a começar. Ele começou a correr por aqueles caminhos estreitos e esburacados, enquanto por cima de si, a festa começava. Começou a cair um orvalho peganhento, e tudo escureceu ainda mais. Os guardas não se aperceberam de nada graças às suas fogueirinhas patéticas. O sem nome, corria e corria enquanto, lá em baixo, os guardas iam ficando isolados uns dos outros. Cada acampamento ia ficando cada vez mais longe do outro graças ao nevoeiro envolvente. O caminho descia até às profundezas daquele corpo e, de seguida, subia. Era suposto a sua forma dificultar a passagem de cada vírus, pensamento ou sentimento que tentasse entrar. Mas na realidade as coisas não eram assim. Aquele formato só estava a ajudar na infiltração. O primeiro acampamento estava a menos de vinte metros e tudo começou. Um punhal de medo foi atirado e todos os sete guardas se levantaram. Não se tinham apercebido do quão escuro estava e de que as coisas estavam completamente molhadas. Escorregaram e dois caíram pelo desfiladeiro. No medo e na confusão, três atiraram-se atrás dos outros. Os últimos corajosos, tiveram a sua morte garantida com um machado de angústia. Sempre em frente eles seguiram. Os dois juntos. Um na terra, outro no céu. Seguiram-se a morte de mais sessenta e três guardas e a recolha de nove chaves com pedaços irregulares que, por vezes, encaixavam-se. Era um puzzle. Faltavam só mais três peças, o que significa que faltavam três acampamentos. Uma bomba de perdição foi mandada com pedaços de água cristalizada. A água feriu alguns dos guardas e fez com que um cai-se na escuridão. A bomba teve o efeito desejado, e todos os outros sentiram-se perdidos. Estavam cegos pela saudade e guiados pelo desconhecido. Um a um, eles caminharam pelo desfiladeiro abaixo. A antepenúltima peça foi apanhada e a corrida continuou. Segundo acampamento, quinze guardas. Os coitados nem deram conta que já estavam mortos. Uma pitada de confusão serviu para fazer com que se matassem uns aos outros. Enquanto isso, apanhou-se a penúltima peça e continuaram caminho. Ainda se ouviam os gritos dos guardas a apunhalarem-se uns aos outros, mas nada os fez parar. Pararam a escassos metros do último acampamento. Este continha vinte e cinco guardas e sete cães. Devia ser a mais complicada luta, mas tornou-se a mais divertida. Fome para os cães, e cinco dos guardas foram comidos. Quatro dos cães foram abatidos, e os outros três fugiram com as carcaças na boca. Sobraram vinte guardas, pois os cães sem saberem para onde iam, pelo desfiladeiro caíram. Fúria, ódio, vingança e um rosmaninho de urticária. Tudo lançado em bombas, punhais, pedras e fumos. O nevoeiro lá comeu sete, desorientou quatro e petrificou cinco. Os quatro restantes, não aguentaram a pressão e os sentimentos sentidos. Feliz da vida, o nosso sentimento sem nome pegou na última peça do puzzle e juntou-a ao resto. Um coração foi formado. O nevoeiro dissipou-se o que permitiu ao sentimento ver o rasto de devastação que tinha deixado para trás. Uns bons metros abaixo dele, ainda se viam dois guardas a lutar pelas suas próprias vidas. Em frente. Encontrava-se o portão principal, o maior de todos, o único com cor. Um portão vermelho com uma fechadura em forma de coração. Ele sorriu, meteu a chave na ranhura que sempre lhe estivera destinada, e entrou. Agora, nada o podia deter para matar aquele ser. Aquele Humano cheio de felicidade, paz, amor. Ele percorreu todo o labirinto daquele coração até encontrar o seu centro. O sítio mais lindo e com mais sentimentos positivos no mundo inteiro. O cerne de um coração. O nosso sentimento estava mais que enjoado com tanta bondade, mas ele tinha que concluir o que tinha começado. Tirou do bolso traseiro um punhal de puro amor, e espetou-o no seu coração de ódio. Ele matou-se ali, a sangue frio. Enquanto tudo o que era vida fugia do seu corpo, ele sorria. Com as lágrimas pretas e secas a escorrerem-lhe pela cara sem rosto, escura, ele ia perdendo a sua vida. E com um último suspiro soltado, ele desapareceu. Num único segundo, desfez-se em pó e fumo. Mas era este o seu objectivo. Matar-se para que todo o mal que existia no mundo e contido na sua própria vida, se espalha-se naquele coração. Ódio, saudade, angústia, confusão, perdição, fome, mal-estar, enjoos, vingança, fúria, ciúme, medo, tristeza, ansiedade, preocupação, vergonha, vaidade, luxúria, indeterminação, gula, egoísmo, orgulho, mentira e morte. Todos esses sentimentos e muitos mais, começaram a destruir, bem lentamente, aquele perfeito coração.


Ando mesmo confuso com tanta coisa sentida, sabem? Preciso de um tempo, um espaço, um buraco sem sentimentos para poder pensar com clareza.

3 comentários:

Mel disse...

compreendo-te muito bem, e esse tempo só nos tornará claro o nosso caminho!

Ki disse...

Morrer por amor--- Morrer com amor--- Morrer por falta de amor--- A culpa será sempre do amor?

Marilena R. disse...

Gostei :)

Obrigada pelo conselho *